Os Escaravelhos Navegam Pelo Mundo de Forma Sofisticada
Cientistas descobriram outra das formas como estes mestres navegadores se orientam.

Na África do Sul, quando um búfalo-africano morre, os leões, as hienas e os cães-selvagens aparecem rapidamente para lutar pela sua carcaça. Mas o que a maioria das pessoas não sabe é que sempre que um destes búfalos defeca, acontece a mesma coisa – mas são escaravelhos que lutam pelos espólios.
Usando detetores de cheiro nas suas antenas, os escaravelhos concentram-se numa pilha de fezes e atacam-na em massa. Cada escaravelho apressa-se para arrancar um pedaço, para enterrar e devorar os excrementos antes que os outros escaravelhos consigam fazer o mesmo. Mas a forma como estas criaturas são capazes de navegar para longe da confusão, em linhas retas e eficientes, tem sido objeto de intenso estudo.
Em 2003, uma cientista chamada Marie Dacke descobriu que as espécies noturnas de escaravelhos, como o Scarabaeus zambesianus, conseguem navegar sob a luz polarizada da lua. Dez anos mais tarde, Marie descobriu que outra espécie, o Scarabaeus satyrus, usa a luz da Via Láctea quando a lua não está visível. Um ano depois, Marie revelou que as espécies diurnas, como o Scarabaeus lamarcki, usam o sol como estrela de navegação.
Agora, Marie descobriu outra ferramenta nas capacidades sensoriais dos escaravelhos.
De acordo com um estudo publicado na Proceedings of National Academy of Sciences, quando o sol está no seu ponto mais alto (e não pode ser utilizado para fins de orientação), os escaravelhos decidem seguir o vento.
Estas descobertas sugerem que os animais conseguem interpretar dois tipos de sinais diferentes e optam pelo melhor, dependendo das condições.
“Estes sistemas parecem ser extremamente flexíveis”, diz Marie. “Se tivermos em consideração que estamos perante cérebros do tamanho de uma semente de sésamo, é fascinante.”
Contra o vento
Para tentar descobrir como é que os escaravelhos conseguem navegar sem a bússola solar, Marie e os seus colegas precisavam de controlar as variáveis.
A equipa começou por construir cúpulas com 60 centímetros de largura que imitavam o habitat natural dos escaravelhos. Depois, realizaram uma série de experiências onde um LED ajustável simulava o sol. Também usaram ventiladores para criar diferentes velocidades e direções no fluxo do vento. Isto permitiu aos cientistas medir o desempenho dos escaravelhos sob uma variedade de condições e demonstrar que, quando o sol artificial estava no seu zénite, os escaravelhos optavam por empurrar as suas bolas de excrementos em direção ao vento – mesmo quando este mudava de direção.
"Os escaravelhos seguem o vento porque não têm outra fonte de orientação", diz Marie, especialista em neuroetologia – o estudo de como o sistema nervoso controla o comportamento. "Se mudarmos a direção do vento em 180 graus, os escaravelhos também mudam a sua direção em 180 graus".
Mas as coisas ficaram mais interessantes quando a equipa privou os escaravelhos de acederem a alguns dos seus sistemas sensoriais.
Numa das experiências, os cientistas removeram as pontas das antenas dos insetos, algo que se acredita ser usado para ajudar a detetar odores. Esses escaravelhos seguiam o vento da mesma forma, independentemente do sol estar no seu ponto mais elevado. Isto sugere que os escaravelhos sentem o vento ao invés de seguirem odores.
Mas os escaravelhos a quem foram removidas as antenas por completo, empurravam as suas bolas de excrementos em direções aleatórias, como se estivessem perdidos. Os animais não conseguiam sentir o vento e, como resultado, não se conseguiam orientar.
Dentro da mente de um escaravelho
Paul Graham, que estuda a navegação das formigas na Universidade de Sussex, no Reino Unido, diz que as conclusões do estudo são perfeitamente claras.
"Uma das belezas deste sistema de navegação é estarmos perante um comportamento fácil de interpretar; uma direção consistente mostra-nos claramente que os escaravelhos estão a usar o vento como um sinal direcional", diz Graham por email.
Para além disso, é importante realçar que os escaravelhos pareçam fundir dois tipos diferentes de informação – uma mecânica e outra visual – numa só região do seu cérebro. Graham sugere que, "mesmo os animais com cérebros mais pequenos fazem processamentos sensoriais, uma reminiscência daquilo que algumas pessoas chamariam de cognição".
Agora, o passo seguinte é investigar como é que os escaravelhos avaliam as informações fornecidas pelo vento ou pelo sol, e como é que optam por um desses elementos.
“Vamos fazer registos dos próprios neurónios, dentro da ‘bússola’ do escaravelho”, diz Marie.
Depois de mais de 15 anos a estudar insetos aparentemente simples e a forma como estes interpretam o mundo à sua volta, ainda existem muitos mistérios por desvendar.
Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site nationalgeographic.com