Novos medicamentos identificados como possíveis ferramentas para combater a COVID-19
Provavelmente nunca teremos um tratamento perfeito para curar a COVID-19, mas determinados medicamentos em determinados pacientes podem salvar vidas.

Um profissional de saúde cuida de um paciente com coronavírus na unidade de cuidados intensivos de um centro de isolamento e tratamento para pessoas com COVID-19 em Machakos, no Quénia, no dia 3 de novembro de 2020.
Depois de lutarem contra o vírus SARS-CoV-2 durante mais de um ano, os profissionais de saúde continuam a lidar com a mesma realidade que enfrentavam há meses atrás: não existem soluções rápidas e fáceis para o tratamento da COVID-19.
“Não estou surpreendido por não termos uma bala mágica”, diz Adarsh Bhimraj, da Cleveland Clinic, um dos autores principais das diretrizes de tratamento para a COVID-19 da Sociedade de Doenças Infecciosas da América (IDSA). “Nenhuma das infeções respiratórias virais que conhecemos durante todas estas décadas e séculos tem uma bala mágica.”
Os avanços no tratamento da COVID-19 têm sido graduais, com uma combinação entre medicamentos originalmente desenvolvidos para combater outros vírus e tratamentos comprovadamente seguros e eficazes para o tratamento dos sintomas em estágio avançado da doença, como os esteroides que são usados para atenuar a resposta imunitária excessiva.
Mas, nos últimos meses, os ensaios clínicos salientaram vários medicamentos adicionais que se podem vir a juntar ao kit de ferramentas COVID-19. Cada um destes tratamentos confere individualmente um benefício modesto. O seu verdadeiro poder vem da junção com vários tratamentos – um tipo de abordagem aditiva que, após anos de investigação, tem apresentado resultados muito favoráveis para outras doenças.
“Pense na forma como as pessoas com ataques cardíacos são tratadas: temos endopróteses expansíveis, aspirinas, agentes para tornar o sangue menos espesso, tratamentos para a pressão arterial, estatinas – cada um dos quais está apenas a eliminar pequenos fatores no risco de morte”, diz Martin Landray, cardiologista de Oxford e um dos investigadores principais do ensaio RECOVERY do Reino Unido, o maior ensaio do mundo sobre medicamentos para a COVID-19.
Expandir o kit de ferramentas COVID-19
Por enquanto, só há dois medicamentos amplamente aceites como eficazes contra a COVID-19. O primeiro é o dispendioso medicamento antiviral remdesivir, que diminui o tempo de hospitalização ao interromper a capacidade de replicação do vírus – mas que aparentemente não reduz o risco de morte por COVID-19. O outro, mais barato, é o esteroide dexametasona, o único medicamento confirmado pelos ensaios clínicos a reduzir o risco de morte entre pacientes com casos graves de COVID-19. “As pessoas acreditam definitivamente que os esteroides são úteis”, diz Adarsh Bhimraj.
Mas os investigadores podem estar perto de encontrar tratamentos adicionais que sejam seguros e eficazes. Entre as dezenas de medicamentos que Adarsh e os seus colegas da IDSA estão a examinar, existem alguns possíveis candidatos a tratamentos. Um deles é o medicamento imunomodulador tocilizumab, um anticorpo que atualmente é usado para tratar a artrite reumatoide.
À semelhança da dexametasona, o tocilizumab atenua a resposta imunitária excessiva que, em casos graves de COVID-19, pode provocar inflamações perigosas. Contudo, ambos funcionam de maneiras diferentes. A dexametasona reduz os inchaços e diminui a resposta inflamatória do corpo. O tocilizumab suprime um recetor celular que pode desempenhar um papel nas frenéticas “tempestades de citocinas”, que podem provocar inflamações.
O tocilizumab já tinha sido observado em ensaios anteriores, mas os estudos não encontraram benefícios dignos de nota. Porém, nas últimas semanas, dois enormes ensaios randomizados descobriram que este medicamento reduz o risco de morte entre pacientes hospitalizados com COVID-19.
Em janeiro, o ensaio REMAP-CAP feito em 19 países anunciou os resultados de um teste em 803 pessoas com tocilizumab e sarilumab, um medicamento relacionado. Os resultados mostraram que os pacientes gravemente doentes com COVID-19 que receberam estes medicamentos tinham menos propensão para precisar de um ventilador, e sobreviveram com mais frequência do que os pacientes gravemente doentes que não receberam estes medicamentos.
No ensaio RECOVERY, que recruta voluntários de 180 locais diferentes de todo o Reino Unido, os investigadores identificaram um grupo de 4.116 pacientes hospitalizados com COVID-19 e administraram aleatoriamente tocilizumab a metade dessas pessoas, e um placebo à outra metade. Para os pacientes a quem tinha sido administrado tocilizumab, em comparação com os pacientes que não receberam o medicamento, o risco relativo de morte por COVID-19 foi reduzido em cerca de 14%, e as probabilidades de terem alta hospitalar aumentaram em cerca de 20%.
Adarsh diz que, embora estes resultados sejam promissores, precisam de ser completamente examinados: “Ainda são pré-impressões, não foram revistas por pares, certo? Temos de encarar isto com algumas reservas.”
Ao contrário dos ensaios anteriores, que podiam incluir dezenas ou centenas de participantes, o ensaio RECOVERY recrutou mais de 37.000 pacientes para testar vários tratamentos. A enorme abrangência deste ensaio confere aos seus estudos – que incluem a primeira evidência clara sobre a eficácia da dexametasona – um peso estatístico suficiente para perceber se um determinado medicamento ajuda ou prejudica os pacientes com COVID-19. “Se juntássemos todos os testes [de tocilizumab] feitos anteriormente, seriam substancialmente mais pequenos”, diz Martin Landray.
Por enquanto, os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH) e a IDSA ainda não recomendaram o tocilizumab como tratamento para a COVID-19 fora dos ensaios clínicos.
Outro dos medicamentos que recentemente se mostrou promissor é o baricitinib, um medicamento normalmente usado para tratar a artrite reumatoide. O NIH recomenda a administração de baricitinib com remdesivir nos casos em que os pacientes com casos graves de COVID-19 não podem receber esteroides – como a dexametasona – devido a alergias ou a outras condições médicas. De acordo com um ensaio publicado em dezembro na revista New England Journal of Medicine, a adição deste medicamento ao remdesivir reduz em cerca de um dia o tempo de recuperação de um paciente, porque reduz a resposta descontrolada do sistema imunitário, em comparação com o uso apenas de remdesivir.
As diretrizes sobre tratamentos também se estão a alterar para o plasma convalescente, que é o plasma sanguíneo rico em anticorpos retirado de sobreviventes de COVID-19 e administrado a pacientes. No dia 4 de fevereiro, a agência do medicamento dos EUA limitou as autorizações sobre os tratamentos com plasma que contém elevados níveis de anticorpos, citando evidências de que o plasma com baixo teor de anticorpos não ajuda. As diretrizes atualizadas também limitam os tratamentos com plasma convalescente para os pacientes hospitalizados com COVID-19 que estejam nos estágios iniciais da doença.
Outros tratamentos no horizonte?
Os ensaios clínicos que estão a decorrer continuam a monitorizar medicamentos já conhecidos e outros novos para observar a sua eficácia contra a COVID-19. Ainda é muito cedo para se saber se estes tratamentos funcionam.
Um dos tratamentos promissores envolve anticoagulantes, como a heparina, que pode ajudar a reduzir o risco de coágulos sanguíneos relacionados com a COVID-19 e evitar que a condição dos pacientes se agrave. Num comunicado feito no dia 22 de janeiro, o Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue dos Estados Unidos anunciou que, entre os 1.000 pacientes moderadamente doentes em três ensaios clínicos, os anticoagulantes diminuíram a necessidade de ventilação mecânica. Contudo, o instituto enfatiza que os anticoagulantes não parecem ajudar – e podem até prejudicar – os pacientes gravemente doentes com COVID-19, ecoando as descobertas divulgadas em dezembro.
“Este é um exemplo convincente de como é fundamental estratificar os pacientes nos ensaios clínicos consoante a gravidade da sua situação – porque um tratamento que ajuda um subgrupo pode não ter quaisquer benefícios, ou até ser prejudicial, para outro”, escreveu no dia 2 de fevereiro o diretor do NIH, Francis Collins, sobre os resultados dos anticoagulantes.
Enquanto alguns investigadores observam as diferentes gravidades nos casos de COVID-19, outros estão a concentrar-se em evitar que os casos ligeiros cheguem sequer ao hospital. Por exemplo, o estudo COLCORONA do Instituto do Coração de Montreal está a examinar o medicamento anti-inflamatório colchicina, que é amplamente utilizado no tratamento de gota e de algumas doenças cardíacas.
Através de um comunicado de imprensa e de uma pré-impressão de acompanhamento publicada no final de janeiro, os investigadores do estudo COLCORONA afirmaram que, entre os 4.488 participantes que estavam em casa com casos ligeiros de COVID-19, a colchicina ajudou a reduzir o risco combinado de hospitalização e morte em cerca de 21%, quando comparada com pacientes que não receberam o medicamento.
Contudo, os médicos ainda encaram a colchicina com um ceticismo saudável, uma vez que a estatística-chave do estudo – a redução de 21% – tem por base um pequeno grupo de pessoas. Em geral, o estudo teve uma baixa taxa de mortalidade e hospitalização, o que significa que qualquer morte ou hospitalização poderia ter um efeito exagerado nos resultados. Entre os 4.488 pacientes inscritos, apenas 235 foram hospitalizados ou faleceram, incluindo 104 que estavam a tomar colchicina e 131 que não receberam o medicamento.
Também não se sabe se este medicamento reduz o risco de morte. Entre os 4.159 pacientes no estudo com casos confirmados de COVID-19, cinco dos que receberam colchicina morreram, e nove dos que não receberam também faleceram.
De acordo com a CBC, em fevereiro, o instituto de pesquisa clínica do Québec (INESSS) disse que “era prematuro apoiar o uso de colchicina em pessoas com um diagnóstico de COVID-19 não hospitalizadas”.
Entretanto, outros investigadores estão a começar a estudar se a colchicina pode ajudar pacientes hospitalizados com casos graves de COVID-19. Martin Landray diz que o ensaio RECOVERY está a expandir-se para testar a colchicina, bem como a aspirina, baricitinib e a mistura de anticorpos usada para tratar o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, no final de 2020.
Porém, os especialistas enfatizam que, a curto prazo, o maior benefício para a redução da taxa de mortalidade da COVID-19 não irá surgir através de terapias, mas sim da vacinação, que está a aumentar nos EUA e pelo mundo inteiro. Todas as vacinas atualmente autorizadas são altamente eficazes na prevenção de casos graves de COVID-19.
“O vírus está a adaptar-se a nós, mas felizmente nós também nos estamos a adaptar tecnologicamente a ele com os nossos cérebros – e conseguimos adaptar-nos rapidamente”, diz Adarsh Bhimraj.
Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site nationalgeographic.com