Gruta da Aroeira: Descobertos Primeiros Indícios do Uso de Fogo Há 400 Mil Anos
Foram descobertas evidências do uso controlado do fogo, no Sudoeste da Europa, que remontam há 400 mil anos. A Gruta da Aroeira foi o centro da investigação.

Vista aérea, tomada por drone, do Arrife da Serra d’Aire (a escarpa de falha que separa o Maciço Calcário Estremenho da Bacia Terciária do Tejo) junto à nascente do Rio Almonda.
João Zilhão é o nome do arqueólogo que liderou o estudo no interior da Gruta da Aroeira, tendo evidenciado que as populações da Península Ibérica dominavam o fogo há mais tempo do que se pensava até então.
A Gruta da Aroeira é um sítio arqueológico e paleoantropológico localizado na vila do Almonda, no município de Torres Novas. É uma caverna que deixou a descoberto as pedras da cultura Acheulense, do Paleolítico, e um crânio de Homo heidelbergensis com cerca de 400 mil anos. O crânio da Aroeira foi descoberto em 2014, numa investigação também liderada por João Zilhão, e trata-se do vestígio humano mais antigo em Portugal. A gruta é parte do sistema cársico da nascente do rio Almonda, afluente do Tejo.
Técnicas do fogo dominadas há já 400 mil anos
O estudo foi desenvolvido por uma equipa do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa e resulta de investigações realizadas entre os anos de 2013 e 2017. Durante as escavações na Gruta da Aroeira, foram recolhidos vestígios da ação do fogo, tal como restos de ossos queimados, carvões e seixos.
A investigação comprova que há 400 mil anos as populações humanas da Península Ibérica dominavam as técnicas ligadas ao uso controlado do fogo. Prevê-se que isto também ocorreria nas outras regiões habitadas da Europa, Ásia e África.
Restos ósseos da Gruta da Aroeira (cervídeos e tartaruga terrestre) carbonizados pelo fogo.
Estas são, de momento, as provas mais antigas que indicam datações precisas sobre o uso do fogo. Contudo, tal não significa que a humanidade não dominasse o fogo há mais tempo.
O uso controlado do fogo permitia a sobrevivência humana
Existe uma corrente de opinião que defende que o uso controlado do fogo é tão antigo quanto a humanidade, isto é, tem entre 1.5 a 2 milhões de anos. Outra corrente defende que tal só foi conseguido há menos de 50 mil anos, sendo que antes disso os grupos humanos saberiam utilizá-lo, mas não o conseguiam gerar.
Como exemplo, surgem as jazidas de Beeches Pit, no Reino Unido, e a Caverna de Qesem, em Israel, com os vestígios mais antigos de conservação de lareiras, pela presença de carvão, ferramentas de pedra e restos de caça consumida. O período varia entre 375 a 425 mil anos e, entre 200 a 300 mil anos, respetivamente.
A utilização controlada do fogo era de extrema importância, já durante o período Paleolítico Inferior, entre 3 milhões a 250 mil anos, permitindo cozinhar os alimentos, melhorando a qualidade da nutrição e alargando o leque de plantas comestíveis.
O fogo era também sinónimo de calor e aquecimento das cavernas, sem o qual não seria possível a sobrevivência humana durante o inverno, permitindo também expandir os territórios ecológicos.
O fogo faria parte de uma rotina comportamental, sendo utilizado como ferramenta de proteção e de ataque, o que implicava um pensamento complexo, capaz de prever o comportamento do fogo e as suas necessidades de combustível.
A preservação dos vestígios na Gruta da Aroeira permite indicar datações precisas
A combinação dos vários elementos recolhidos na Gruta da Aroeira, designadamente o crânio humano, associado aos bifaces acheulenses, traz uma complexidade adicional ao debate em volta do comportamento humano durante o período Paleolítico Inferior.
Uma das grandes questões da paleoantropologia é a identificação do início do uso controlado do fogo, que permitiu aos grupos humanos sobreviver e evoluir.
A Gruta da Aroeira é um dos raros sítios na Península Ibéria com contextos arqueológicos datados de há cerca de 400 mil anos. A excecionalidade está na boa preservação dos vestígios e na associação entre o crânio, a indústria lítica típica do período em questão e, agora, a confirmação do uso controlado do fogo. Esta junção permite obter um registo único, com novos dados sobre o comportamento das populações do Sudoeste da Europa, no período entre 700 mil a 125 mil anos antes do tempo atual, revelando-se crucial para o estudo da humanidade.
É a partir das primeiras formas humanas que surgiram em África há 2.5 milhões de anos - o Homo erectus - que se dá a emergência de populações com capacidades cranianas que entram dentro da margem de variação do Homo sapiens.
Para os próximos anos, o plano de investigação assenta na contínua recolha de dados da Gruta da Aroeira, para o conhecimento de dois intervalos de tempo: o período entre há 100 mil e há 250 mil anos; e o período há 30 mil e há 70 mil anos.
Os conhecimentos em Portugal ainda se revelam escassos. Ao lado de João Zilhão, um dos mais reputados arqueólogos portugueses, estão os investigadores espanhóis Montserrat Sanz Borràs e Joan Daura.