
O VIAJANTE CLÁSSICO: HOMERO (SÉCULO VIII a. C.)
“Homero foi como Shakespeare, [e a Ilíada e a Odisseia] eram vistas como a Bíblia. Ir a Troia foi como uma peregrinação a Jerusalém”, diz o historiador de viagens Tony Perrottet, autor de Route 66 A.D. e especialista nas andanças dos nossos antepassados.
O poeta grego Homero viveu uma vida épica e as histórias da Guerra da Troia que escreveu em verso criaram um mapa de estradas vívido que foi frequentemente seguido por viajantes durante quase 3000 anos. Os Romanos Imperiais foram dos primeiros turistas verdadeiros, tendo realizado viagens de vários anos à Acrópole de Atenas e às Pirâmides do Egito entre outras paragens mediterrâneas. Mas nenhum percurso estava completo sem uma visita a Troia (a atual Turquia), o local onde se desenrolou a batalha da história que Homero tornou uma das pedras de toque da civilização ocidental.
Fotografia por Rembrandt Harmensz. van Rijn
O FAZEDOR DE MAPAS: ESTRABÃO (64 a. C. – d. C. 24)
“A ciência da Geografia ... é uma preocupação do filósofo”, escreveu Estrabão na sua obra de 17 volumes Geographica, uma descrição política e física do mundo tal como os romanos o conheciam. Ao combinar teorias das artes, matemática, ciências naturais, história e mitologia, Estrabão definia o geógrafo como alguém que centra a atenção “no útil e não que é famoso ou apelativo”. Mas Estrabão foi um homem do mundo que viajou da sua terra natal, a Turquia, até famosos e encantadores locais da Itália, da Etiópia, da Arménia, do Egito e, provavelmente, da Grécia. A sua escrita reflete as suas próprias viagens, bem como as de Homero (que ele considera o pai da Geografia), do polímato grego Eratóstenes (o primeiro a utilizar a geografia mundial e a calcular a circunferência da Terra e o criador do primeiro mapa-mundi) e o astrónomo e matemático grego Hiparco.
O clássico mapa-mundi de Estrabão deve-se em parte ao mapa do século III b. C de Eratóstenes; apresenta a terra firma como uma bolha em formato de peixe num oceano global. O desenho geral do norte da Europa, do Mediterrâneo, da Ásia, da Líbia (e do continente africano), da Arábia e da Índia (incluindo o Ganges) está lá definido, a pedir para ser explorado. Os grandes passos seguintes na geografia deveram-se ao fenício Marino de Tiro (70-130), o primeiro a incluir coordenadas de latitude e longitude, e ao geógrafo greco-romano Ptolemeu (90-168), que foi o primeiro a fazer projeções cartográficas com base em linhas de latitude e que acrescentou coordenadas para locais e características topográficas (embora os seus próprios cálculos sobre a circunferência da Terra estivessem desalinhados com os definidos pelos seus antecessores). Mas foi Estrabão quem sintetizou as suas viagens num estudo de geografia — “a arte da vida, ou seja, de felicidade.”
Fotografia por Corbis (Ilustração)
O PEREGRINO ENTUSIASTA: XUANZANG (602-664)
No ano de 629, um monge chinês com uma mochila comprida para transportar pergaminhos deixou a capital Tang para embarcar numa viagem de 16 000 quilómetros e 16 anos à Índia para estudar e recolher textos sagrados do Budismo. Viajante e escritor incansável Xuanzang percorreu o caminho do norte da Rota da Seda, documentando regiões que são agora o Quirguistão, o Usbequistão, o Afeganistão e o Paquistão.
Atravessou a cordilheira de Indocuche para chegar a Barmian, onde descreveu as colossais estátuas dos Budas de Gandara (“de cor dourada brilhante e com ornamentação resplandecente com substâncias preciosas”) que receberam a atenção global quando foram destruídas pelos Taliban no ano 2000. A sua peregrinação à Índia foi árdua, mas intelectualmente frutuosa. Regressou à China com uma enorme coleção de textos significativos em sânscrito que iluminaram a fé budista e produziu um registo de viagens definitivo da Ásia Central e Meridional.
É atualmente respeitado enquanto linguista, historiador, fiel herói popular e, acima de tudo, viajante inveterado.
Fotografia por Ivy Close Images/Alamy (Ilustração)
O TROTA-MUNDOS: IBN BATTUTA (1304–1369)
No norte da África islâmica, viajar — especialmente em busca de sabedoria — era quase um ditame religioso. Ibn Battuta, académico muçulmano de 21 anos oriundo de Marrocos, assumiu o repto do profeta Maomé para “procurar conhecimento até em destinos tão distantes como a China” quando saiu de Tânger para fazer a sua primeira hajj a Meca. A viagem não acabou ali. Ao longo das três décadas seguintes, a peregrinação de Battuta transformou-se numa viagem que veio a abranger mais de 40 países de um mapa moderno — do norte de África ao Egito, Médio Oriente, África Oriental, Anatólia, Índia, Sudeste e Este da Ásia e China.
A viagem de Battuta é uma percurso de devoção alimentada pelo desejo de conhecer novos mundos, e a narrativa que deixou para trás, ditada de memória a um escritor, é, mais do que um guia do mundo islâmico, um conto de geografia, história natural, política, religião, pessoas (são mencionadas cerca de 2000) e reflexão pessoal. Rihla (ou “A Viagem”), como a sua história é conhecida, é resumida da melhor maneira pelo seu longo título original: Um Presente para Aqueles que Contemplam as Maravilhas das Cidades e o Assombro das Viagens.
“Influenciado por um irresistível impulso dentro de mim e por um desejo, há muito acalentado, de visitar aqueles gloriosos santuários, resolvi deixar todos os meus amigos e afastar-me da minha casa”, aponta Battuta no início da sua aventura. Embarcou apenas um ano depois da morte do mercador veneziano Marco Polo (1254–1324), cuja celebrada viagem de 24 anos através da Rota da Seda o levou para além da Mongólia e até à China, onde conheceu o grande Kublai Khan. Na altura em que Polo regressou a Veneza, foi protagonista de uma história intemporal; as últimas palavras de Polo — “Só contei metade do que vi!” — soam a verdade aos viajantes de hoje. Mas as viagens de Battuta foram ainda mais extensas e as suas aventuras revelam as maravilhas do turismo.
Fotografia por Burt Silverman, National Geographic (Ilustração)
O GASTRAONAUTA GLOBAL: THOMAS JEFFERSON (1743-1826)
O terceiro presidente dos Estados Unidos da América foi, em muitos sentidos, um dos mais importantes viajantes deste país. As suas peregrinações europeias levaram-no à Inglaterra, França, Holanda, Alemanha e Itália, destinos que estudou pelos seus fundamentos clássicos, riqueza cultural e produção vitícola.
Para Jefferson, o vinho era uma janela para o mundo, tendo o terceiro presidente dos Estados Unidos da América sido um defensor do vinho por razões que iam muito além da mesa de jantar. Como consultor de vinho da nação, Jefferson transformou as suas curiosidades dionisíacas numa causa económica transatlântica e defendeu os canais de comércio vinícola com a França, a Itália, Portugal e Espanha. Regressou aos Estados Unidos com estacas de videira que plantou em Monticello e tornou-se o maior enófilo da América (se não o seu cultivador mais bem-sucedido).
As missões de viagem de Jefferson não se limitavam à garrafa — quando estava no estrangeiro, pesquisava direito, governação, história, arquitetura, agricultura, literatura, música, ciências, entre outras áreas — mas um dos maiores legados deste homem renascentista é a sua paixão global pela uva.
Fotografia por Getty Images (Ilustração)
POR ALTOS VOOS: ISABELLA LUCY BIRD (1831–1904)
“O Vale de Caxemira é demasiadamente bem conhecido para precisar de descrição”, escreve a aventureira inglesa do século XIX Isabella Lucy Bird na sua narrativa de viagens Among the Tibetans. O facto de esta declaração ter sido feita em 1894 — e não na atualidade — é um testemunho do longo alcance da grande viajante vitoriana. Enquanto o Império Britânico se espalhava por continentes, Bird migrava para locais longínquos e variados, muitos dos quais raramente fazem parte do radar de um viajante, mesmo na atualidade. Bird documentou as suas viagens em livros detalhados com títulos factuais como Six Months in the Sandwich Islands (1875), A Lady’s Life in the Rocky Mountains (1879), Unbeaten Tracks in Japan (1880), and Korea and Her Neighbors (1898). Em reconhecimento das suas peregrinações à volta do mundo, Bird foi investida como a primeira mulher Membro da Real Sociedade Geográfica em 1882.
Por vezes, parece que Bird se encontrava numa missão de uma mulher só para promover o turismo global. Filha de um experiente pastor anglicano, a perspicaz jovem escritora sofreu de depressão, insónias e teve um tumor espinal quando era criança. Em 1854, por recomendação médica, o pai de Bird deu-lhe 100 libras e a sua bênção para viajar enquanto o dinheiro durasse. Bird passou os seis meses seguintes na América do Norte, uma viagem que documentou no seu primeiro livro, The Englishwoman in America (1856). A partir de então, casou-se com a estrada e as suas viagens incluíram o Canada, a Escócia, a Austrália, o Havai, as Montanhas Rochosas, o Japão, a China, o Vietname, Singapura, a Malásia, a Índia, o Tibete, a Pérsia, o Curdistão, a Turquia, o Irão e Marrocos. Bird atravessou rios revoltos a cavalo, suportou calores infernais e frios polares, subiu montanhas, atravessou desertos, dormiu onde pôde, envolveu-se com as populações locais e registou informações geográficas, culturais, políticas e sociais que nos ajudaram a conhecer melhor o mundo. Bird chegou até a aventurar-se num casamento aos 49 anos; tendo o seu marido notado que tinha “apenas um extraordinário rival no coração de Isabella, que são os planaltos da Ásia Central”. Bird deu aulas, escreveu e viajou quase até ao fim da vida, tendo passado seis meses a atravessar a Cordilheira do Atlas, em Marrocos, a cavalo em 1900. Quando morreu, com 73 anos, planeava uma viagem de regresso à China.
Fotografia por The Art Gallery Collection, Alamy
A DERRADEIRA NÓMADA: FREYA STARK (1893-1993)
“Acordarmos bastante sozinhos numa cidade desconhecida é uma das sensações mais agradáveis do mundo. Estamos rodeados de aventura. Não sabemos o que nos espera, mas, se formos sensatos e conhecermos a arte de viajar, deixar-nos-emos levar pela corrente do desconhecido e aceitaremos o que vier no espírito com que os deuses no-lo possam oferecer”, escreveu a arabista britânica Freya Stark em Baghdad Sketches.
Quando morreu, com 100 anos, esta audaz exploradora cultural e poliglota tinha escrito 24 livros e publicado oito volumes de cartas que apresentavam os pormenores das suas conquistas enquanto primeira ocidental a chegar a várias regiões desertas da Arábia. Entre as suas perigosas caminhadas, conta-se a viagem ao coração do Vale dos Assassinos, no Irão, uma paisagem premonitória que reforçou o seu amor pelo enfoque pessoal que as viagens podem trazer.
“A solidão, pensei, é uma necessidade profunda do espírito humano que nunca foi adequadamente reconhecida”, escreveu. A crónicas divertidas e autoritárias que Stark escreveu sobre as viagens que fez à Síria, ao Irão, ao Iraque, ao Kuwait, ao Iémen, ao Líbano e ao Afeganistão parecem sugerir que no interior de cada viajante bate o coração de um aventureiro — sobretudo quando há burros pelo caminho.
Fotografia por Royal Geographical Society, Alamy
O INDIVÍDUO INQUEBRANTÁVEL: BRUCE CHATWIN (1940-1989)
As viagens não se constituem apenas de factos externos, como qualquer pessoa que tenha passado dias monótonos na estrada poderá afiançar; as viagens também são constituídas por experiências internas. Em muitos sentidos, o escritor britânico Bruce Chatwin revolucionou as narrativas de viagem ao focar-se não apenas nos destinos originais, mas em formas originais de contar a sua história. Outro escritor de viagens, Robert Macfarlane, indica que o que “aprendemos com Chatwin foi que os documentários de viagem poderiam viajar mais profundamente no tempo do que amplamente no espaço e que o interior que exploravam não tinha de ser o coração de um lugar, mas a mente de um viajante”.
Embora a produção de Chatwin tenha sido pouco significativa, a sua influência foi vasta. Com In Patagonia (1977), Chatwin criou uma narrativa icónica de geografia, história, cultura e memórias pessoais baseada numa viagem de seis meses pelo extremo sul da Argentina e do Chile. Esta história idiossincrática é dividida em minissecções que fazem referência a Shakespeare, Magalhães, Butch Cassidy e Sundance Kid, Darwin, Dante, aos gaúchos e aos hippies, entre outras personagens coloridas tecidas numa manta de retalhos em que os factos se combinam com a ficção. A obra The Songlines (1986) explora as canções aborígenes únicas da Austrália, que juntavam aspetos geográficos, elementos mitológicos e pontos de referência culturais. Tal como o tema do seu livro, Chatwin mistura factos e ficção para desenvolver um entendimento antropológico da cultura viva mais antiga do mundo. O livro teve o efeito imediato de destacar tradições dos indígenas australianos e de apresentar um estilo de escrita sobre viagens que reflete o movimento indistinto e a natureza nómada do tema; Chatwin também apresentou a muitos leitores o desafio de olharem de frente as comunidades aborígenes contemporâneas. Acima de tudo, Chatwin era um contador de histórias brilhante que não deixava que os factos o fizessem perder o fio à meada, fosse nos livros de viagem ou nos romances que escrevia. Exagerava em tudo, como apontou um dos seus melhores amigos, mas as verdades estavam sempre no centro dos seus escritos— verdades que ajudam a explicar afinal porque é que viajamos.
Fotografia por Ulf Andersen, Getty Images
O NÓMADA MAIS SIMPÁTICO: MICHAEL PALIN (1943-PRESENTE)
“Não existe nenhum antídoto conhecido quando somos picados pelo bichinho das viagens, e sei que ficarei alegremente infetado durante o resto da vida”, diz Michael Palin, comediante inglês (e membro fundador dos Monty Python), que foi transformado pelas viagens, tendo passado de “uma pessoa muito palerma” a um “explorador muito palerma” . Depois de décadas no ecrã e no palco, Pallin fez-se ao mundo na qualidade de trota-mundos realizador de documentários — deu a volta ao mundo em 80 dias seguindo as pegada de Júlio Verne; viajou do Polo Norte ao Polo Sul; circum-navegou 50 000 milhas no Oceano Pacífico; caminhou ao longo de deserto do Sara e nos Himalaias e seguir os passos de Ernest Hemingway dos EUA para a Europa, África e as Caraíbas.
Os livros e as séries de televisão deste incansável viajante são tão populares que as atrações turísticas passaram a ser mais visitadas depois das suas viagens. Os profissionais do meio chamam-lhe o “efeito Pallin”. Podemos chamar-lhe a derradeira lista de desejos de viagem.
Fotografia por Basil Pao
A MAIS ARROJADA DAS AVENTUREIRAS: KIRA SALAK (1971-PRESENTE)
Madagáscar, Irão, Ruanda, Burma, Líbia, Bornéu, Moçambique, Uganda, e Peru são apenas algumas das nações carimbadas no passaporte de Kira Salak. Mas o lugar que nos deu a conhecer esta escritora oriunda da América profunda foi a Papua Nova Guiné, onde passou um ano de mochila às costas, tendo acabado por se tornar a primeira mulher a atravessar esta nação insular do Pacífico. Desde essa aventura, a exploradora emergente da National Geographic seguiu a pista de gorilas na montanha e exércitos em guerra no Congo, atravessou o Alasca de bicicleta até chegar ao Oceano Glacial Ártico e subiu aos Himalaias no Botão.
“No inicio, as minhas viagens parecem, no mínimo, ridículas e, no máximo, uma loucura”, escreve Salak em Cruelest Journey, sobre a sua viagem de caiaque, a solo, no rio Níger da cidade maliana de Old Ségou até Timbuktu. “Há algo a dizer sobre o desafio de ir para onde a maioria das pessoas não quer viajar. Penso que estes lugares tão desconhecidos alimentam a minha imaginação”, escreve Salak. “Os desafios constroem o caráter de uma forma única. Ensinam-nos mais sobre nós mesmos do que sobre os outros; dão-nos uma perspectiva mais profunda sobre a vida.”
Fotografia por Bobby Model